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Usar esse termo novo “blockchain” se tornou um modo de parecer mais inteligente.
Como acontece com qualquer nova tecnologia, muitos analistas garantem que o blockchain não está pronto para uso em seu potencial máximo, e que é de difícil utilização. De um lado, o mercado sofre com a falta de programadores que entendem a tecnologia, de outro, o preconceito do mercado: essa semana mesmo o Bank of International Settlements (BIS) lançou uma opinião polêmica, em um relatório chamado de “Cryptocurrencies: looking beyond the hype”. A instituição é conhecida como o banco central dos bancos centrais, apesar de não exercer de fato essa função.
O Blockchain como uma base de dados imutável e descentralizada tem claramente suas vantagens. Como um dos exemplos, podemos citar o das transações financeiras. O ciclo de operações e atores em uma simples compra e venda de ações faz com que a compensação demore mais de três dias nas tecnologias antigas. Com o blockchain, o mesmo nível de segurança é atingido em uma questão de minutos.
Apesar dos bons usos, é difícil de acreditar que todas as bases de dados do mundo serão um dia distribuídas como num blockchain. Existem casos em que simplesmente não faz sentido descentralizar dados, não só em finanças mas em outras áreas. Apesar do tom ácido de seu relatório, o BIS está certo em um ponto: é preciso olhar além da hype trazida pelo blockchain.
Nos últimos eventos que participei, tentei explicar de forma adulta que o blockchain não era solução de todos os problemas, e que muitas pessoas e empresas estão usando a palavra para se projetar. Semana passada Jimmy Song esteve no Brasil e tivemos o privilégio e tê-lo durante um dia todo de atividades aqui no Mercado Bitcoin. Uma pessoa fantástica, concordamos e discordamos em vários aspectos.
Na conversa com o Jimmy ele me mostrou um texto dele bem elucidativo deste ponto de que o blockchain está se tornando uma panacéia, então acabamos combinando que eu traduziria um excelente texto dele sobre este assunto. A visão do Jimmy, como a minha, é mais do que uma explicação fria das vantagens e desvantagens de um blockchain, é uma análise dos incentivos e da governança do sistema. Espero que aproveitem, segue!
Por que o Blockchain é desafiador? – Jimmy Song (tradução de Luiz Calado)
O hype em torno de blockchain é enorme. Pelo que os entusiastas da tecnologia falam, ele vai:
- Resolver a desigualdade de renda
- Tornar todos os dados seguros para sempre
- Tornar tudo muito mais eficiente e sem a necessidade de existir confiança prévia
- Salvar as crianças famintas do mundo
Mas que diabos é um blockchain, afinal? Ele pode realmente fazer todas essas coisas? Pode o blockchain trazer algo surpreendente para indústrias tão diversas como saúde, finanças, gestão da cadeia de suprimentos e direitos de música?
E caso você invista em Bitcoin, significa que você é pró-blockchain? Como pode as pessoas defenderem o Bitcoin, mas dizerem coisas ruins sobre a tecnologia por trás disso?
Neste artigo, busco responder muitas dessas questões, observando o que é um blockchain e, mais importante, o que não é.
O que é um blockchain?
Para examinar algumas dessas afirmações, temos que definir o que é uma blockchain e aqui reside a confusão. Muitas empresas usam a palavra “blockchain” como se ele fosse um dispositivo mágico, cujo uso fará com que seus dados nunca estejam errados. Tal dispositivo, claro, não existe, pelo menos não quando o mundo real está envolvido.
Então, o que é um blockchain? Tecnicamente falando, um blockchain é uma lista encadeada de blocos e um bloco é um grupo de transações ordenadas. Se você não entendeu a última frase, pode pensar em um blockchain como um subconjunto de um banco de dados, com algumas propriedades adicionais.
A principal coisa que diferencia um blockchain de um banco de dados normal é que existem regras específicas sobre como colocar dados neste banco. Ou seja, ele não pode entrar em conflito com outros dados que já estão no banco (consistentes), sendo assim somente anexável (imutável) e, os dados inseridos são associados a um proprietário (próprios), além de serem replicáveis e disponíveis. Finalmente, todos concordam sobre qual é o estado das coisas no banco de dados (canônico) sem uma parte central (descentralizada).
Este último ponto realmente é o santo graal do blockchain. A descentralização é muito atraente porque implica que não há um único ponto de falha. Ou seja, nenhuma autoridade única será capaz de tirar seu patrimônio ou mudar a “história” para atender às suas necessidades. Essa trilha de auditoria imutável, na qual você não precisa confiar em ninguém, é o benefício que todos que estão jogando com essa tecnologia estão procurando. Este benefício, no entanto, tem um grande custo.
O custo dos blockchains
A trilha de auditoria imutável não controlada por uma única parte é certamente útil, mas há muitos custos para criar tal sistema. Vamos examinar alguns deles.
O desenvolvimento é mais rigoroso e lento
Criar um sistema comprovadamente consistente não é uma tarefa fácil. Um pequeno bug pode corromper todo o banco de dados ou fazer com que alguns bancos de dados sejam diferentes uns dos outros. Naturalmente, um banco de dados corrompido ou dividido não tem mais garantias de consistência. Além disso, todos esses sistemas devem ser projetados desde o início para serem consistentes. Não há como “mover-se rápido sem quebrar as coisas” em um blockchain. Se você quebrar as coisas, você perde a consistência e o blockchain se torna corrompido e sem valor.
Você pode estar pensando: por que não se pode simplesmente consertar o banco de dados ou começar de novo e seguir em frente? Isso seria bastante fácil de fazer em um sistema centralizado, mas isso é muito difícil em um sistema descentralizado. Você precisa de consenso, ou o acordo de todos os participantes no sistema, a fim de alterar o banco de dados. O blockchain tem que ser um recurso público que não está sob o controle de uma única entidade (descentralizada, lembra?). Todo o esforço é uma maneira muito cara de criar um banco de dados lento e centralizado.
Estruturas de incentivo são difíceis de projetar
Adicionar as estruturas de incentivo corretas e garantir que todos os atores do sistema não abusem ou corrompam o banco de dados também é uma consideração importante. Um blockchain pode ser consistente, mas isso não é muito útil se ele tiver uma grande quantidade de dados frívolos, porque os custos de colocar dados nele são muito baixos. Também não é útil um blockchain consistente se houver poucos dados, porque os custos de colocar dados nele se tornam muito altos.
O que dá a finalidade dos dados? Como você pode garantir que as recompensas estejam alinhadas com as metas da rede? Por que seus participantes mantêm ou atualizam os dados e, o que os faz escolher uma parte dos dados em relação à outra quando estão em conflito? Estas são perguntas de incentivo que precisam de boas respostas e estar alinhadas não apenas no começo, mas em todos os pontos no futuro, na medida em que a tecnologia e as empresas mudam, caso contrário, o blockchain não é útil.
Novamente, você pode estar se perguntando por que não é possível “consertar” alguma corrupção no blockchain. Mais uma vez, isso é fácil em um sistema centralizado, mas de forma descentralizada, você simplesmente não pode mudar nada sem consenso. Não há como “consertar” nada, a menos que haja um acordo de todos.
A manutenção é muito cara
Um banco de dados centralizado tradicional só precisa ser gravado uma vez. Um blockchain precisa ser escrito milhares de vezes. Um banco de dados centralizado tradicional precisa apenas verificar os dados uma vez. Um blockchain precisa verificar os dados milhares de vezes. Um banco de dados centralizado tradicional precisa transmitir os dados para armazenamento apenas uma vez. Um blockchain precisa transmitir os dados milhares de vezes.
Os custos de manutenção de um blockchain são muito maiores e o custo precisa ser justificado pela utilidade. A maioria das aplicações que procuram algumas das propriedades declaradas anteriormente, como consistência e confiabilidade, podem as obter por um preço muito mais barato, utilizando verificações de integridade, recibos e backups.
Usuários são soberanos
Isso pode ser muito bom, já que as empresas não gostam da responsabilidade de ter dados do usuário. No entanto, pode ser ruim se o usuário estiver “se comportando mal”. Não há como expulsar o usuário que está enviando spam a seu blockchain com dados frívolos ou se descobriu uma maneira de lucrar de alguma forma que cause muitas inconveniências aos outros usuários. Isso está relacionado à observação de que as estruturas de incentivo precisam ser muito, muito bem projetadas, na medida em que um usuário que descobre uma exploração não deva desistir de colaborar, especialmente se houver lucro para o usuário.
Você pode estar pensando que pode simplesmente recusar o serviço a usuários mal-intencionados, o que seria muito fácil de fazer em um serviço centralizado. No entanto, ao contrário de um serviço centralizado, recusar o serviço é difícil porque nenhuma entidade tem autoridade para expulsar ninguém. O blockchain tem que ser imparcial e aplicar as regras definidas pelo software. Se as regras são insuficientes para impedir um mau comportamento, você está sem sorte. Não há “espírito da lei” aqui. Você simplesmente tem que lidar com atores mal-intencionados ou mal comportados, possivelmente por muito tempo.
Todas as atualizações são voluntárias
Uma atualização forçada não é uma opção. Os outros atores da rede não têm obrigação de migrar para o seu software. Se o fizessem, tal sistema seria muito mais fácil, rápido e barato de construir como se fosse um sistema centralizado. O ponto de um blockchain é que ele não está sob o controle de uma única entidade, e isso é violado com uma atualização forçada.
Em vez disso, todas as atualizações devem ser compatíveis com versões anteriores. Isso é obviamente muito difícil, especialmente se você quiser adicionar novos recursos, e ainda mais difícil ao pensar a partir de uma perspectiva de teste. Cada versão do software adiciona muito à matriz de teste e aumenta o seu tempo de lançamento.
Novamente, se fosse um sistema centralizado, seria muito fácil corrigir esse problema ao deixar de oferecer suporte aos sistemas antigos. Você não pode fazer isso, no entanto, em um sistema descentralizado, como você não pode forçar ninguém a fazer nada.
A escalabilidade é realmente difícil
Finalmente, a escalabilidade é várias ordens de magnitude mais difícil do que em um sistema centralizado tradicional. O motivo é óbvio. Os mesmos dados têm que constar em centenas ou milhares de lugares, ao invés de em um único lugar. A dificuldade em se transmitir, verificar e armazenar é enorme, por que cada cópia do banco de dados precisa incorrer nos custos dessas operações, ao contrário dos bancos de dados centralizados, que incorrem nesses custos só uma vez.
Você pode, claro, reduzir a carga reduzindo o número de “nós”. Mas então, nesse ponto, por que você precisa de um sistema descentralizado? Por que não apenas criar um banco de dados centralizado se os custos de dimensionamento forem a principal preocupação?
A centralização é muito mais fácil
Os sistemas descentralizados são muito difíceis de trabalhar, caros para manter, difíceis de atualizar e difíceis de dimensionar. Um banco de dados centralizado é muito mais rápido, mais barato, mais fácil de manter e mais fácil de atualizar do que um blockchain. Então, por que as pessoas continuam usando a palavra blockchain como se fosse uma panaceia?
Primeiro, muitos dos segmentos do mercado que estão utilizando o blockchain para vender seus serviços estão realmente atrasados para atualizações de infraestrutura de TI. O ramo da saúde tem um software notoriamente terrível. A liquidação financeira ainda está sendo executada em software dos anos 70. O software de gerenciamento da cadeia de suprimentos é difícil de usar e difícil de instalar. A maioria das empresas dessa indústria resiste à atualização devido ao risco envolvido e há muitos upgrades de infraestrutura que custam centenas de milhões e acabam sendo revertidos de qualquer maneira. Desse modo, o Blockchain é uma forma de vender essas atualizações de infraestrutura de TI e torná-las um pouco mais apetitosas.
Segundo, o blockchain é uma maneira de parecer que você está na ponta da tecnologia. Goste ou não, a palavra “blockchain” adquiriu vida própria. Poucas pessoas realmente entendem o que é, mas querem parecer estar na moda, então usa essa palavra como uma maneira de parecer mais inteligente. Assim como “nuvem” significa o computador de outra pessoa e “AI” significa um algoritmo ajustado, “blockchain” nesse contexto significa um banco de dados lento e caro.
Em terceiro lugar, as pessoas realmente não gostam do controle governamental sob certas indústrias e querem um mecanismo de adjudicação diferente do que o arcabouço legal, que geralmente é lento e caro. Para eles, “blockchain” é realmente apenas uma maneira de se livrar do aparato pesado da regulamentação governamental. Isso é exagerar no que o blockchain pode fazer. Blockchain não elimina magicamente o conflito humano.
O resultado é que muitas pessoas estão empolgadas com promessas sem realmente entender as possibilidades ou os custos. O que é pior, os detalhes e custos técnicos reais são abstraídos de muitos executivos de forma a obscurecer o que um blockchain pode e não pode fazer. Todos eles ficam com medo de dizer que o “imperador não tem roupas” e nós, chegamos à situação que estamos agora.
Então, para que o blockchain é bom?
Já estabelecemos que um blockchain é mais caro em relação aos bancos de dados centralizados. Então, a única razão pela qual você deveria estar usando um blockchain é descentralizar. Isto é, remover um único ponto de falha ou controle. Isso significa, naturalmente, que o software ou o banco de dados não deve mudar as coisas com frequência. Assim, deve haver pouca vantagem em atualizar e muita desvantagem em corromper ou alterar as regras.
A maioria das indústrias não é assim. A maioria das indústrias exige novos recursos ou atualizações e a liberdade de mudar e expandir conforme necessário. Como os blockchains são difíceis de atualizar, difíceis de alterar e difíceis de dimensionar, a maioria dos setores não tem muita utilidade para um blockchain.
A única exceção que encontramos é dinheiro. Ao contrário da maioria dos casos de uso industrial, o dinheiro é melhor se “não mudar”. Imutabilidade e dificuldade em mudar as regras são fatores positivos para o dinheiro e não um prejuízo. É por isso que blockchain é a ferramenta certa para o trabalho quando se trata de Bitcoin.
O que está claro é que muitas empresas que querem usar o blockchain não estão realmente querendo um blockchain, mas sim atualizações de TI para seu setor específico. Tudo isso é bom, mas usar o mecanismo blockchain para se chegar lá é exagerado.
Conclusão
Blockchain é um termo popular nos dias de hoje e, infelizmente, o meme “Blockchain não é Bitcoin” não vai morrer. Em se tratando de um serviço centralizado, um blockchain não oferece nada que você não consiga fazer mil vezes mais barato com um banco de dados centralizado. Se você é um serviço descentralizado, provavelmente está enganando a si mesmo e não pensando nos pontos únicos de falha que existem em seu sistema. Não haveria um “você” em um serviço verdadeiramente descentralizado.
Já no início dos anos 2000, muitos executivos da indústria de tecnologia precisaram usar Java e XML. Apesar dessas duas coisas serem ferramentas e não produtos reais, muitos executivos insistiam em seu uso, não importando o quão pobre fosse o ajuste para o que seus engenheiros estavam tentando alcançar. Blockchain é muito parecido com isso. Concentre-se nos problemas que você está resolvendo e as ferramentas se tornarão prontamente aparentes. Concentre-se nas ferramentas que você deseja usar e acabará fazendo máquinas de Rube Goldberg, que não fazem nada particularmente bem.
De certa forma, as concepções atuais de blockchain estão tentando fazer o impossível. Todos querem a segurança de um sistema descentralizado com o controle de um sistema centralizado. O desejo é o melhor dos dois mundos, mas o que acabam recebendo é o pior dos dois mundos. Você obtém os custos e a dificuldade de um sistema descentralizado com os modos de falha dos centralizados. Blockchain é usado muito como um chavão para vender um monte de óleo de cobra inútil, e quanto mais rápido nos livrarmos do hype, melhor será a situação no longo prazo.
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Jimmy Song
Educador do Bitcoin, desenvolvedor do Bitcoin Core e sócio do Blockchain Capital
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Este artigo foi traduzido com a autorização do Jimmy Song, quando esteve presencialmente em nosso escritório do Mercado Bitcoin no Brasil e conversou comigo.
O artigo original pode ser encontrado em :
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